sexta-feira, 28 de março de 2008

A ruptura com a tradição?

A dominação totalitária como facto estabelecido, que no seu carácter inédito não pode ser cocmpreendida pelas categorias habituais do pensamento político, e cujos«crimes» não podem ser julgados com os critérios morais tradicionais nem punidos dentro do quadro legal da nossa civilização, representou uma ruptura na continuidade da história do Ocidente. A ruptura da nossa tradição é hoje um facto consumado. Não resultou da escolha deliberada de ninguém nem é susceptível de ser alterada a posteriori.

As tentativas dos grandes pensadores pós-hegelianos de se afastarem dos padrões do pensamento que haviam dominado o Ocidente durante mais de dois mil anos podem ter pressagiado este acontecimento, contribuiram, por certo, para o esclarecer, mas não o ocasionaram. O próprio acontecimento marca a linha divisória entre a Idade Moderna que nasce com as ciências naturais no séc.XVII, atingiu o seu apogeu político com as revoluções do séc. XVIII e desdobrou as suas implicações gerais a partir da Revolução Industrial do séc XIX- e o mundo do séc. XX, que teve origem no encadeamento de catástrofes ocasionadas pela Primeira grande Guerra Mundial. Atribuir aos pensadores da Época Moderna, em especial aos que no século XIX se revoltaram contra a tradição, a responsabilidade pela estrutura e pelas condições do séc. XX é injusto, e mais do que isso, é perigoso. As implicações da dominação totalitária tal como esta se verificou excedem em muito as ideias mais radicais ou mais aventurosas de qualquer desses grandes pensadores, cuja grandeza assenta no facto de terem visto o seu mundo invadido por problemas e perplexidades inteiramente novas, com as quais a nossa tradição de pensamento era incapaz de lidar. Neste sentido, o seu próprio afastamento em relação à tradição por muito enfaticamente que eles o hajam proclamado[ como crianças que assobiam cada vez mais quando verificam terem-se perdido no escuro], não resultou de uma escolha deliberada por parte desses pensadores. Aquilo que os atemorizava na escuridão era o seu silêncio, não a ruptura com a tradição. Esta ruptura, quando na verdade se deu, dissipou a escuridão de tal modo que já mal conseguimos prestar atenção ao estilo retumbante, «patético» dos seus escritos. Mas o trovão da explosão final abafou também o ominoso silêncio anterior, esse silêncio que ainda nos responde sempre que nos atrevemos a perguntar não « contra que lutamos nós», mas « Pelo que lutamos Hannah Arendt, Entre O Passado e O Futuro.

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