«O sátiro, tal como o pastor idílico dos tempos modernos, são ambos o produto de uma nostalgia pelo estado natural e primitivo. Mas com que garra o grego se deixa possuir pelo seu deus das florestas e com que timidez e fragilidade o homem moderno se ondula perante a imagem lisonjeadora de um pastor gracioso, sensível e tocador de flauta! Era a natureza, ainda não manchada por forma alguma de conhecimento, ainda não rasagada por qualquer forma de civilização, o que o grego via na imagem do sátiro, que por isso mesmo não lhe parecia comparável com o macaco degenerado. Bem pelo contrário: era o arquétipo do homem, a expressão dos seus impulsos mais altos e fortes, o sonhador entusiasta que cai em êxtase na presença do deus, o companheiro complacente que se deixa possuir pela paixão e pelos sofrimentos do deus, o anunciador de uma sabedoria oriunda do que há de mais profundo na natureza, o símbolo da omnipotência genesíaca da natureza que o grego se habituou a olhar com uma respeitosa admiração. O sátiro era, enfim, algo de sublime e de divino, e assim deveria ter aparecido ao olhar quebrado pela dor do homem dionisíaco. O pastor petulante e fictício teria sido para ele uma figura insultuosa, porque o olhar deste sátiro repousava, com uma satisfação sublime, sobre os traços grandiosos de uma natureza ainda não explorada e atrofiada Aqui, a ilusão de civilização era compensada pela imagem primitiva do homem, aqui manifestava-se o homem verdadeiro, o sátiro barbudo que saudava alegremente o seu deus. Perante ele o homem civilizado reduzia-se a uma caricatura mentirosa.» Nietzsche, A Origem da Tragédia.
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