sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

A vida como vontade de poder?

"Escutai agora as minhas palavras sábios ilustres. Vêde se examinei bem a vida até ao fundo, até às últimas pregas do seu coração. Em todo o lado onde encontrei vida, encontrei a vontade de dominar, e mesmo na vontade do servidor, encontrei a vontade de ser senhor.

Se o fraco serve o forte, a isso é levado pela sua vontade que, por sua vez, se quer tornar senhora de outros mais fracos do que ela; é esse o único prazer a que não pode renunciar.

E, tal como o inferior cede ao superior, a fim de ter por sua vez o prazer de dominar o que está abaixo, também o maior entre todos se devota por sua vez e arrisca no jogo a sua própria vida.

Quando o maior de todos entra por sua vez na liça, toma sobre si o risco e o perigo, e trava com a morte uma partida de dados.

E sacrifícios, serviços prestados, amorosos olhares, são ainda manifestações da vontade de poder. Por ínvios caminhos, o mais fraco insinua-se na praça forte e avança até ao coração do poderoso; e aí lhe toma o seu poder,

Eis o segredo que a vida me confiou: «Vê, disse-me ela, sou o que é obrigado a ultrapassar-se a si própria até ao infinito» Nietzsche, Assim Falava Zaratustra.

Transbordância?

Mas Zaratustra não veio para dizer a esses mentirosos e a esses loucos: «Que sabeis da virtude? Que poderíeis saber da virtude?»
Ele veio para que vós, meus amigos, vos desviásseis das velhas fórmulas, aprendidas com os mentirosos e os loucos.
Para que vos saturásseis das palavras: «recompensa», e «retribuição», «castigo» e «justa vingança». Para que vos fatigásseis de dizer:« Uma acção é boa quando é desinteressada».
Ah! meus amigos, quando estiverdes completos, dentro do vosso acto, tal como a mãe está completa, dentro do seu filho, direi ser essa a vossa definição de virtude...Nietzsche, Assim Falava Zaratustra.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O preço da liberdade!

...

É a semente fértil e a terra cultivada

como a fusão amorosa entre ambas

até a vida se extasiar plasmada;
...

a actividade e o impulso do renascer

como ascensão no movimento das coisas

ao triunfo do que ainda não é mas pode ser;
...
Luís Lourenço; Poética do instante filosófico

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A vida como fenómeno estético?

Nietzsche escreveu que vida podia justificar-se apenas como um fenómeno estético.Isto significa desistir da exigência de ser inteligível. A estética é exactamente aquilo que não tem significado.Aqui a música serviu-lhe como um exemplo constante. Qualquer tentativa de discernir o significado de uma peça musical será mais enganadora do que falsa.A música torna palpável o que a grande arte revela: falar do seu significado é mais do que um equívoco. O significado pode expressar-se de forma independente, mas o significado da tragédia nem sequer é impossível de afirmar . O mesmo no diz respeito ao significado da vida. Tal como numa obra de arte, estará presente em cada nota e em cada linha, em cada momento e em cada medida-ou jamais estará presente. Insistir que a vida se justifica da mesma maneira que a arte o é encontrar uma nova forma de dar significado à vida, mas de tentar que paremos de o procurar.
Assim, Nietzsche afirmou que desejar um momento é desejar todos os momentos. Desejar um momento é desejá-lo em si mesmo, e não uma coisa para a qual ele aponta, ou da qual se segue. Susan Neiman, O Mal no Pensamento Moderno.

O poder da Interrogação

PROFUNDIDADE.M.C.ESCHER

***

É o voo da especulação e um espelho ao Universo

onde toda a aparência é mais do que isso

e todo o saber se torna controverso;

...

a claridade e o fogo da mudança

que renascem no ser quando é urgente

e o inflamam numa auréola de esperança;

...

a contradição e a identidade

que se espicaçam uma à outra

como o instante à eternidade;

...

Luís Lourenço, Poética do instante filosófico.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Verdade ou desencanto?

"Em todas as épocas e em todos os países as coisas foram miseráveis. Os homens sempre estiveram atemorizados e com problemas, magoaram-se e torturaram-se uns aos outros; que pequenas vidas levaram, azedaram-se uns aos outros. Nao foram capazes de estimar ou apreciar a beleza do mundo e a doçura da existência que a beleza do mundo lhes deu; Apenas para alguns a vida se tornou confortável e aprazível. A maioria das pessoas depois de ter jogado o jogo da vida durante algum tempo prefere partir do que começar de novo. Aquilo que talvez lhes tenha dado ou dê algum grau de apego à vida era e é o medo da morte. Assim é a vida; sempre assim foi; assim continuará a ser sempre. É esse o destino do homem"Goethe

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O lado cruel da existência?

O que foi dito pelo pai da História[Heródoto] não foi desde então refutado, nomeadamente, que ninguém existitiu sem ter desejado mais de uma vez não viver o dia seguinte.Consequentemente a brevidade da vida, tantas vezes lamentada, pode ser talvez a sua melhor característica .Se, finalmente, trouxéssemos à vista de todos o terrível sofrimento e as aflições a que a vida é constantemente exposta, seríamos dominados pelo horror. Se guiássemos o mais duro e empedernido optimista pelos hospitais, enfermarias, salas de operações, e pelas prisões, câmaras de tortura e cabanas de escravos, ou pelos campos de batalha e lugares de execução; Se lhe abríssemos escuras casas da pobreza, que fogem à contemplação da fria curiosidade, e finalmente olhasse para as masmorras do Ugolino, onde os prisioneiros morriam de fome, também podia certamente ver, no fim, que tipo de mundo é este meilleur des mondes possibles. Ora a que lugar foi Dante buscar o material do seu inferno se não ao nosso mundo actual? Schopenhauer, O Mundo Como Vontade e Representação.

liberdade encantada!

Transformei-te num corpo e vi-te num sonho.

Deste-me na lua os raios brilhantes de uma fantasia,

Que quando esquecer volta a ser poesia!

Ergui-te com força na sombra da mente.

Voltei a erguer-te com paixão ardente!

Só sonhei contigo mas encontrei toda a gente!...

Luís Lourenço

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Violações do direito à justiça?

"Assim, os casos de injustiça mais flagrantes e que provocam mais intensamente a marca de repugnância característica do sentimento de injustiça, são os actos de agressão injustificada ou os de abuso de poder sobre outros; e, a seguir, os actos que consistem na recusa arbitrária de reconhecer a cada um o que lhe é devido" John Stuart Mill, Utilitarismo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

liberais e conservadores?

O liberalismo, como vimos, preocupa-se com um processo de recuo da liberdade, enquanto que o conservadorismo se preocupa com um processo de recuo da autoridade; ambos denominam o previsível resultado final como totalitarismo e vislumbram tendências totalitárias onde quer que o outro se manifeste. Não há dúvida que ambos são capazes de produzir excelentes justificações para as suas conclusões. Quem pode negar as graves ameaças à liberdade vindas de todos lados desde o início do século, e o aparecimento de todo o tipo de tiranias pelos menos desde o fim da Primeira Guerra Mundial? Quem pode, por outro lado, negar que o desaparecimento de praticamente de todas as autoridades tradicionalmente estabelecidas tem sido uma das mais notáveis características do mundo moderno? É como se precisássemos apenas de fixar o olhar em qualquer um desses fenómenos para justificar uma teoria do progresso ou da catástrofe , dependendo do nosso gosto ou , como se costuma dizer, da nossa própria«escala de valores».Se observarmos de modo imparcial as conflituantes afirmações de liberais e conservadores, facilmente podemos perceber que a verdade é partilhada por ambas as facções, e que no mundo moderno estamos de facto confrontados com uma simultânea regressão da liberdade e da autoridade.Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Símbolos da alegoria da caverna!

...Vimos que, na alegoria da caverna, o filósofo deixa a caverna em busca da verdadeira essência do Ser sem pensar na aplicabilidade prática do que vai encontrar. Só depois, quando se encontra de novo confinado à escuridão e incerteza dos assuntos humanos e se depara com a hostilidade dos seus semelhantes, é que ele começa a pensar na sua «verdade» em termos de normas aplicáveis ao comportamento dos outros. Esta discrepância entre as ideias como essências verdadeiras que devem ser objecto de contemplação, por um lado, e como medidas a aplicar, por outro, manifesta-se nas duas ideias completamente diferentes que representam a ideia suprema, aquela a que todas as demais devem a sua própria existência. Platão diz-nos ou que essa ideia suprema é a ideia de Belo-No Banquete, por exemplo, onde constitui o degrau mais alto da escada que conduz à verdade, ou no Fedro, onde Platão fala do «amante do saber ou da beleza», como se estas duas fossem de facto idênticas, pois a beleza é aquilo que mais brilha e por isso ilumina tudo o resto-ou que é a ideia de Bem, como podemos conferir na República, mas num contexto que é estritamente político. Hannah Arendt, Entre O Passado e O Futuro.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

libertas-vitalis.blogspot.com: decadência?

libertas-vitalis.blogspot.com: decadência?

Decadência?

Tanta mediocridade que existe no mundo!

E é assim que a Humanidade vai indo ao fundo.

Da mais mesquinha, nunca se purifica a História,

e na mais gananciosa, se vai destruindo à mesma,

sem glória... Mas assim desperdiçada,

como chegará Ela à vitória

antes de ser tarde demais

e sonhar ainda acordada!..

Luís Lourenço

O sim absoluto à vida.

A vida quer edificar-se no alto, quer olhar horizontes cada vez mais longínquos e belezas cada vez mais inéditas. Por isso necessita de altura .A vida quer subir e ao fazê-lo superar-se. Nietzsche, Assim Falava Zaratustra.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

o eterno retorno

Guardemo-nos de acreditar que o Universo tenha uma tendência para alcançar certas formas, que aspire a ser mais belo, mais perfeito, mais complicado, isto é puro antropomorfismo...Se o devir é um vasto círculo, tudo é igualmente precioso, eterno, necessário, e, portanto, o eterno retorno aplica-se eternamente a uma mesma e idêntica vida, não a uma vida melhor ou parecida, mas a uma mesma e idêntica vida, tanto no grande como no pequeno. Nietzsche; Vontade de Poder

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

liberdade e livre arbítrio.

Para a história do problema da liberdade, a tradição cristã tornou-se o factor decisivo. Nós equiparamos quase automáticamente a liberdade ao livre arbítrio, ou seja, a uma faculdade virtualmente desconhecida para a Antiguidade Clássica[...] A razão para este facto perturbador está em que na Grécia como na Roma antigas, o conceito de liberdade era exclusivamente político, era a quinta-essência da cidade-estado e da cidadania. De tal modo assim era que a nossa tradição de pensamento político, iniciada com Paménides e Platão, foi fundada explicitamente contra essa polis e a sua cidadania. O modo de vida do filósofo era entendida como a antítese da bios politikos, o modo de vida político . A liberdade, o verdadeiro centro da política tal como os gregos a entendiam, era portanto uma ideia que, quase por definição, não entrava no quadro da filosofia grega. Só quando os primeiros cristãos, e S. Paulo em particular, descobriram uma espécie de liberdade que não tinha qualquer relação com a política, é que o conceito de liberdade pôde entrar na história da filosofia. A liberdade tornou-se um dos principais problemas filosóficos quando passou a ser vivida como algo que acontece na relação entre eu e eu-mesmo , fora das relações entre os homens. Liberdade e livre arbítrio tornaram-se conceitos sinónimos e a presença da liberdade era vivida em completa solidão. Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A liberdade como princípio do agir.

Os homens são livres-o que é diferente de apenas possuirem a aptidão para a liberdade-enquanto agem, não antes nem depois; pois ser livre e agir são uma e a mesma coisa.
A liberdade como inerente à acção é talvez mais bem ilustrada pelo conceito de virtù de Maquiavel, a excelência com a qual o homem responde às oportunidades que o mundo abre perante ele sob a forma de fortuna. O significado que melhor a traduz é o de "virtuosismo" ou seja, uma excelência normalmente atribuída no terreno das artes interpretativas[diferentes das artes do fazer, que são criativas], onde o mérito está na própria execução, e não num produto final capaz de sobreviver à acção que o trouxe à existência e tornar-se independente dela. a virtuosidade da virtù em Maquiavel recorda-nos de certo modo o facto[muito provavelmente desconhecido de Maquiavel] de os gregos sempre terem usado metáforas como as de tocar flauta, dançar, curar e navegar para distinguir a política das outras actividades, significando isto que os gregos retiravam as suas analogias de artes em que o virtuosismo da execução é fundamental. Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Da persuasão à autoridade.

Foi após a morte de Sócrates que Platão começou a encarar a persuasão como insuficiente para a condução dos homens e a procurar algo capaz de os compelir sem o recurso a meios externos de violência.Logo no princípio da sua investigação terá ele percebido que a verdade, sobretudo, a que chamamos de auto-evidente, compele o espírito e que esta coerção, embora não necessite de violência para ser eficaz, é mais forte do que a persuasão e a argumentação. No entanto o problema com a coerção através da razão está em que apenas uma minoria está sujeita a ela, pelo que fica ainda por resolver o problema de como garantir que a multidão, as pessoas que pela sua própria pluralidade constituem o corpo político, possa ser submetida à mesma verdade. Aqui é evidente que outros meios de coacção devem ser encontrados, e também aqui a coacção pela violência deve ser evitada, para que a política tal como os gregos a entendiam, não fosse destruída. Esta é a dificuldade central da filosofia política de Platão, e que como tal permaneceu ao longo de todas as tentativas para estabelecer uma tirania da razão. Na República o problema é resolvido pelo mito final das recompensas e castigos no além, mito esse no qual o próprio Platão obviamente não acreditava nem desejava que os filósofos acreditassem. Aquilo que a alegoria da caverna, a meio d`A República representa para elite ou para os filósofos, é o mesmo que o mito do inferno, no final do livro, representa para a multidão dos que não são capazes de aceder à verdade filosófica. Nas Leis, Platão debate-se com esta mesma dificuldade, mas na forma inversa: aqui, sugere como substituto para a persuasão, uma introdução às Leis na qual a intenção e o fim destas sejam explicados aos cidadãos. Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A vida como energia primordial!

A vida enquanto forma de ser que nos é mais especificamente acessível, é uma vontade de acumulação de energia: todos os processos da vida encontram aqui o seu eixo giratório: nada quer simplemente conservar-se, tudo aspira a ser totalizado e acumulado...A vontade de poder não é um ser nem um devir é um "pathos", Nietzsche, Vontade de Poder

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Estética do trágico!

A alegria metafísica que nasce, pois, do trágico é a tradução, na linguagem da imagem, da instintiva e inconsciente sabedoria dionisíaca. O herói por ser a manifestação suprema da Vontade, fica aniquilado para nosso prazer, já que, apesar de tudo, não é mais que uma aparência e o seu aniquilamento não atinge, na sua essência, a vida eterna da Vontade. "Creio na vida eterna", proclama a tragédia, mas é a música que é a ideia imediata desta vida...Nietzsche, A Origem da Tragédia.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A natureza da autoridade.

Uma vez que a autoridade exige sempre obediência, é, muitas vezes, confundida com alguma forma de poder ou violência. Mas o facto é que a autoridade exclui o uso dos meios exteriores de coacção; quando se usa a força, isso significa que a autoridade falhou. Por outro lado, a autoridade é incompatível com a persuasão, já que esta pressupõe uma paridade e funciona através de um processo de argumentação. Quando se utilizam argumentos a autoridade é deixada em suspenso. Contra a ordem paritária da persuasão temos a ordem autoritária que é sempre hierárquica. Assim, se temos de definir autoridade, esta é algo que se opõe tanto à coacção pela força como à persuasão mediante argumentos. Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Crise de autoridade?

O mais significativo sintoma da crise, indício da sua amplitude e gravidade, é ela ter-se espalhado para áreas pré-políticas como a puericultura e a educação onde a autoridade, no seu sentido mais lato, sempre fora aceite como uma necessidade natural exigida obviamente, tanto por razões naturais[a dependência das crianças],como por razões políticas[a continuidade de uma civilização estabelecida que só pode ser garantida se os os recém-chegados forem guiados através de um mundo pré-estabelecido onde, ao nascer, são como estranhos. Pelo seu carácter mais simples e elementar, esta forma de autoridade serviu de modelo ao longo da história do pensamento político, a uma enorme variedade de formas autoritárias de governo; pelo que, se até esta autoridade pré-política que rege as relações entre adultos e crianças, entre professores e alunos, já deixou de ser segura, isto significa que todos os outrora venerados modelos e metáforas de relações autoritárias perderam a sua plausibilidade. Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

O que é a autoridade?

Para evitar malentendidos, talvez fosse mais sensato intitular este ensaio: o que foi, e não o que é a autoridade; pois sou da opinião de que aquilo que nos permite e incita a formular esta pergunta é o facto de a autoridade, no mundo moderno, ter desaparecido. Não podendo nós apoiar-nos já em experiências verdadeiras e indubitáveis, comuns a todos, o significado do próprio termo acabou por se perder em controvérsia e confusões. Não há muita coisa na natureza da autoridade que seja evidente, ou sequer passível de ser compreendida por todos; pese embora o facto do cientista político ser ainda capaz de recordar que este conceito foi, em tempos, fundamental para a teoria política, e que a maioria das pessoas estará de acordo em que uma crise de autoridade, constante e cada vez mais ampla e profunda, tem acompanhado o desenvolvimento do mundo moderno no nosso século. Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro.