O último grande prinípio constitutivo da plataforma liberal que merece ser mencionado aqui, nomeadamente por constituir um ponto de importante colisão com a discussão republicana, corresponde ao tema actualmente formulado por Rawls da neutralidade do Estado relativamente às convicções e opiniões em matéria de religião e de moral: não recordaremos aqui a análise histórica que propõe Rawls, insistindo na adopção deste princípio na sequência das guerras de religião inglesas, mas poderíamos combinar uma abordagem histórica deste tipo com uma abordagem mais conceptual, relacionando este quarto princípio com as exigências já incluídas no primeiro[ A autonomia da sociedade exclui, por exemplo, uma religião do Estado] e no terceiro[ A valorização das liberdades individuais implica o reconhecimento da liberdade de opinião e de consciência]. Este quarto princípio possui, como é óbvio, uma importância crucial por tudo o que induz, nomeadamente a respeito daquilo que em França se chama a laicidade, sobre a qual nos limitaremos a referir que , conquanto no plano histórico tenha emergido progressiva e tardiamente, a sua perspectiva já estava virtualmente constituída na própria concepção do liberalismo político[ como o testemunha , nomeadamente o famoso escrito de Locke acerca da tolerância, 1689].Outras consequências deste princípio de neutralidade do Estado serão melhor discutidas na releitura republicana, A começar pela separação entre o direito e a moral, sob a forma de convicção liberal segundo a qual não é necessário ser-se moral para se ser um bom cidadão, isto é, para obedecer às leis, mas que o interesse pode contanto que seja bem compreendido, constituir a única mola do Estado de direito: trata-se de um tema muito saliente na tradição liberal, sob a forma de neutralidade axiológica do Estado[ ou nas palavras de Rawls, da sua neutralidade em relação às concepções do Bem, ] da qual se destaca, além disso, muito facilmente, a perspectiva segundo a qual a educação, na óptica liberal, deveria ser, antes de tudo, uma educação da inteligência e não uma educação para a virtude. É justamente por ser neutral que o Estado liberal não pode pedir aos cidadãos que sejam virtuosos ou que dêem provas de uma ou outra qualidade moral associada a uma certa ideia do Bem, mas apenas que obedeçam às leis-o que, como afirmava Kant, até um povo de demónios é capaz de fazer desde que possua alguma inteligência,» História da Filosofia Política, VOl 4, Direcção de Alain Renault
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