E aí, nessa extrema solidão, se produz a segunda metamorfose: o espírito torna-se leão. Decide conquistar a sua liberdade e ser o rei do seu próprio deserto.
Busca um último senhor; ele será o inimigo desse último senhor e do seu derradeiro Deus; ele quer medir-se com o grande dragão, e vencê-lo.
Mas o que é esse grande dragão que, doravante, o espírito recusa chamar seu senhor e seu Deus? o nome do grande dragão é «Tu -deves ». Mas a alma do leão diz: «Eu quero »
«Tu-deves» barra-lhe o caminho, brilhando de oiro, coberto de escamas, e sobre cada uma dessas escamas brilham em letras de oiro, estas palavras: «Tu-deves »
Valores milenários brilham sobre essas escamas, e assim fala o mais poderoso de todos os dragões: «Todos os valores das coisas brilham sobre o meu corpo.
Todos os valores foram criados no passado, e a soma de todos os valores criados , sou eu. Em verdade não deverá mais existir qualquer «eu quero»...Assim fala o dragão.
Meus irmãos para que serve ter este dragão no espírito? porque não será suficiente o animal paciente, resignado e respeitoso?
O próprio leão ainda não está preparado para criar novos valores; mas liberta-se a fim de se tornar apto a criar novos valores, eis o que pode a força do leão.
Para conquistar a sua própria liberdade e o direito sagrado de dizer não, mesmo ao dever, para isso meus irmãos é necessário ser leão.
Conquistar o direito a novos valores é para um espírito paciente e laborioso a mais temível das empresas. E por certo que ele vê nela um acto de banditismo e de rapina.
O que ele outrora amava como o seu bem mais sagrado, é o «Tu-deves » Deve agora descobrir a ilusão e a arbitrariedade na própria base do que de mais sagrado existe no mundo, e conquistar assim, pela violência, o direito a libertar-se dessa prisão: para exercer uma tal violência é necessário ser leão.
Mas dizei-me meus irmãos que pode ainda a criança, e de que o próprio leão seria incapaz? Porque deverá ainda o leão roubador tornar-se criança?
É que a criança é inocência e olvido, novo começar, jogo, roda que se move por si própria, primeiro móvel, afirmação santa." Nietzsche, assim Falava Zaratustra
9 comentários:
Recomendo vivamente, em especial aos estudantes de filosofia, UMA leitura concentrada e fértil deste discurso célebre sobre as três metamorfoses do espírito-Assim falava Zaratustra-cuja actualidade é sem dúvida incontornável.
A primeira metamorfose do espírito[camelo] está abordada no post imediatamente anterior.
Salvé Véu de Maya!...ou "deverei" chamar Libertas-Vitalis ou ainda Lourenço?
Ao contrário de si, não me sinto "condenada" a visitar o seu blog. Faço-o com todo o prazer, porque é dos poucos que me é grato: pelas gravuras seja de Manet ou outros, mas sobretudo porque o lado humano em exercício é notório - como o post exibido presentemente, por exemplo.
O Espírito não carece de "higiene", PORQUE ELE SEMPRE FOI CLARO, LIMPO, TRANSPARENTE, BRILHANTE, SAGRADO.
"Eu quero" revela-se um mal menor, quando se curva num acto de humildade, ao "dever SER" - aqui num sério compromisso.
Todos somos postos á prova como domadores desse leão interno - "ego" - que tudo quer, em tudo se arvora como melhor, ou até numa fanfarronice absurda e demagoga. Porém quando exercitado "a chicote" - pelos reveses de ajuste perante a vida - esse leão que ruge, torna-se meigo, dócil, terno, cooperante, sempre que visita o seu Senhor...o seu SER!
É este o caminho da tal "limpeza" a que chamo LIBERTAÇÃO de "si".
Uma boa noite e bons sonhos...
ESPAVO! - como em MU
"reconhecendo a Luz que há em si"
Mariz
Mariz, o seu comentário faz-me reflectir...e isso é muito bom.
Reconheço a sua luminosidade e entendo que na sua pureza originária, o espírito não precisa de higiene, mas misturado com o corpo e os sentidos, talvêz precise de viajar nesse aperfeiçoamento...em doses homeopáticas de luz e fogo-já que em nós seres singulares acabará por ser pó.
Creio que o discurso de Zaratustra viaja nessa direcção...que chamei de "higiene", mas poderia se calhar melhor chamar de "ascese" mas no dia do ambiente e dada a existência de tantas coisas sujas
deixei-me seduzir pelo idealismo da palavra.
Grato pela visita.
Abraços e uma noite tranquila.
Salvé!
O Espírito não necessita de doses homeopáticas -embora eu aprove essa vertente no físico. É apenas aí que a Luz que refere é necessária, mas ela vive em si, faz parte de si, sem ela o seu mundo interno, era um (im)perfeito universo clone.
O leão é para ser domado, é ele que nos faz vir cá as vezes necessárias até que nos tornemos o SER. Quando esse dia chegar, não mais necessitaremos de ajustes, no tempo evolutivo, que, no caminho, é quase sempre á "chicotada" como referi - é por isso que vamos tantas vezes de cara ao chão...
tantas quantas necessárias até que "um rugido", não se faça ouvir mais...
Não falo por dogmas, nem por doutrinas, falo por constactar no terreno, pelos passos em falso, o que fui aprendendo em teoria, com quem era mais alto...e assim pretendo tornar-me também...anda que em gotas homeopáticas.
Um abraço meu
Sempre disponível para o fazer pensar...(sorrisos)
Mariz
ESPAVO! - reconhecendo a Luz que há em si
errata:
"...AINDA que em gotas homeopáicas"
Mariz
pronto.... eu como não sou .....de ......fia.... só fruo
:))
Genialmente escrito e sentido ao ler
abraço
Que circulem os eflúvios vitais...
genuínos.
Grato pela visita.
Maria do Sol...fruir é a experiência mais saborosa. A fil...fia não está fechada, antes pelo contrário?
beijinho
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