"Nestas condições, logo que a interrogação e a dúvida, substituem a autoridade, provocando a derrocada do universo aristocrático da tradição, está fora de questão reencontrar a simplicidade ingénua dos Helenos: uma vez aberto o espaço da discussão e da argumentação, a espontaneidade quase animal com que os aristocratas nativos aderiam a uma tradição que estava como que incorporada neles desaparece, e a anarquia instala-se entre os instintos que já não estão coordenados entre si como uma bela e imediata totalidade।Deixa de ser possível retroceder, para restabelecer sob a sua forma arcaica, a autoridade absoluta de uma tradição que doravante será vivida como escravatura por um tipo de humanidade na qual se desenvolve a faculdade de se interrogar e de «perguntar-se porquê»। Foi assim que surgiram , pelo menos em retrospectiva ou na aparência, duas vias:
A via socrática, e do ascetismo, devia consistir, perante a anarquia das forças instintivas em conflito, em suprimir todos os instintos submetendo-os à razão e à tirania da verdade-gesto radical consagrado pela invenção platónica do mundo inteligível, mas que consiste em mutilar certas forças( as do sensível) em nome de outras( as do inteligível). Neste sentido, a via socrática da argumentação é reactiva, porque certas forças são sacrificadas a outras e porque, ao implicar uma diminuição do quantum global de força, inaugura uma forma decadente de vida[uma forma mórbida da vontade de poder], que transparece na fealdade de Sócrates
A outra via, em que Nietzsche pensa e que constitui o seu verdadeiro ideal, teria consistido, não em mutilar umas forças em nome de outras, mas em saber hierarquizá-las. Se a dialéctica socrática é o protótipo da reacção que mutila o instintos e, portanto, do ascetismo, a feliz hierarquização dos instintos corresponde ao que Nietzsche chama « o grande estilo» e que define nos seguintes termos:« Tornar-se senhor do caos interior, forçar o seu próprio caos a tomar forma, actuar de forma lógica, simples, cataegórica, matemática, tornar-se lei»
Não insistirei mais neste tema bem conhecido, nem no parentesco entre o «grande estilo» e o clacissismo: simplesmente é claro que, aos olhos de Nietzsche, só uma hierarquização dos instintos que integre todas as forças da vida, incluindo(uma ver surgidas) as da razão e da lógica , permitiria verdadeiramente escapar à atitude «reactiva» inaugurada por Sócrates; porque, se as forças reactivas são as que não podem afirmar-se sem negar outras, uma crítica da dialéctica argumentativa e, em termos mais gerais, da racionalidade democrática, que consistisse em eliminar essa racionalidade e a força que ela representa continuaria prisioneira da atitude reactiva e, portanto, enfraquecida e geradora de fealdade. Ao invés, a hierarquização de todas as forças da vida supõe uma« vontade vitoriosa», uma« coordenação mais intensa», «uma harmonização de todos os desejos violentos», em suma, um autocontrolo que é sinónimo ao mesmo tempo, de uma intensificação da vida e do seu «embelezamento»E, de facto, é nos princípios de uma tal hierarquização harmoniosa, que obriga os instintos a estruturarem-se numa nova totalidade bem regulada, que devera esboçar-se, para uma nova aristocracia, menos espontânea, mas também menos animal que a dos »antigos Helenos», O análogo moderno( ou antes pós-moderno de uma tradição
As Críticas da Modernidade Política, Direcção de Alain Renault.
2 comentários:
Embelezemos. :-)
Como conseguí-lo- no meio de tanta balbúrdia?
Embelezemos! aí é que está o ponto...
bjinho
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