"Fica pois claro como é necessário acrescentar às duas maneiras de considerar o passado, a monumental e a antiquária, uma terceira maneira, a crítica, e encarar esta também ao serviço da vida. Para poder viver o homem deve possuir a força de quebrar um passado e de o aniquilar, e é preciso que ele utilize esta força de tempos a tempos. Consegue-o convocando o passado perante a justiça, movendo um processo contra ele e condenando-o finalmente. Ora todo o passado é digno de ser condenado, porque é assim com todas as coisas humanas: sempre a força e a fraqueza humanas foram poderosas. Não é a justiça que julga aqui, e muito menos é a graça divina que proclama o julgamento. Mas sim a vida, só a vida, esta potência obscura que pressiona e nunca está satisfeita consigo própria. O seu veredicto é sempre rigoroso, sempre injusto, porque nunca tem a sua origem na fonte apenas do conhecimento; mas na maioria dos casos, a sentença seria a mesma se a justiça fosse pronunciada em pessoa «Porque tudo o que nasce é digno de morrer. É por isso que valeria mais não ter nascido» É preciso muita força para poder viver e esquecer de tal modo o viver e o esquecer estão embrincados. O próprio Lutero afirmou uma vez que o mundo não teria nascido senão de um esquecimento de Deus. Porque se Deus tivesse pensado nos « argumentos de forte calibre» não teria criado o mundo. Acontece portanto que esta mesma vida que tem necessidade do esquecimento exige a destruição momentânea deste esquecimento. Exige-se então o dar-se conta de como é injusta a existência de uma coisa, por exemplo, de um privilégio, de uma casta, de uma dinastia, e o tomar-se consciência até que ponto esta coisa deve desaparecer. E considera-se o passado desta coisa sob o ângulo crítico, atacam-se as suas raízes , passa-se implacavelmente por cima de todas as piedades. É sempre um processo, quero dizer, perigoso para a vida. Os homens e as épocas que servem a vida, julgando e destruindo o passado, são ao mesmo tempo perigosos e em perigo...» Nietzsche, Acerca da Utilidade da História Para a vida.
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