"É evidente que esta desconfiança relativamente à argumentação é inseparável, em Nietzsche, da contestação global da dialéctica e dos dialécticos. Limito-me a recordar, a título de indicação, a principal tese defendida em «O caso de Sócrates»: «com a dialéctica é a plebe que prevalece»(§5). Antes de Sócrates, os »antigos Helenos», no seio de uma sociedade aristocrática, recusavam os procedimentos dialécticos, convictos de que o que é grande e nobre se impõe por si mesmo sem necessidade de argumentos: em contrapartida, o que irá produzir em Sócrates e nos seus «doentes » a «hipertrofia da faculdade lógica(§4) é o projecto, característico de um «oprimido» e repleto de um «ressentimento plebeu», de se vingar dos «aristocratas»(§7), deslocando o confronto para o único terreno onde as diferenças se nivelavam, aquele em que já não é necessário afirmar simplesmente o seu direito, mas demonstrá-lo. Assim, enquanto «em toda a parte onde a autoridade ainda é de bom tom, onde não se discute, mas se ordena, o dialéctico é uma espécie de polichinelo»(§5), O «decadente» Sócrates, ao promover a dialéctica em detrimento de «todos os instintos dos antigos Helenos», sacralizava o único instrumento com o qual fora capaz de alcançar a vitória: onde vemos em acção, explica complacentemente Nietzsche, uma «preversidade de raquítico»(§4) que apunhala com a « faca do silogismo» tudo o que, até esse momento, constituía a grandeza da Grécia-- ao ponto de se tornar necessário questionar se Sócrates era verdadeiramente grego(§3).
Por outras palavras, e utilizando uma distinção central na obra nietzscheana: «dos Antigos Helenos a Sócrates», a mutação que ocorreu reside na passagem das forças activas, puramente afirmativas, capazes de ir até ao fundo de si mesmas sem mutilar outras, às forças reactivas que só podem afirmar-se opondo-se a outras e tentando negá-las. Trata-se, em ambos os casos, de formas da «vida »[porque é a vida como vontade de poder, que é força], mas enquanto as forças activas correspondem a uma forma ascendente de vida, as forças reactivas[ porque, por elas a vida só consegue afirmar-se ou, em qualquer caso conservar-se em detrimento de uma parte de si própria]inscrevem-se numa lógica de degenerescência"... As Críticas da Modernidade Política, Direcção de Alain Renault.
2 comentários:
Demorei um bocadinho a comentar o teu blog por uma razão muito simples: distrai-me com as tuas palavras. Adoro a forma como escreves.
Eu gosto muito de Nietzsche, especialmente A Origem da Tragédia (reparei na imagem que tens na lateral :-)). Neste livro, a arte é posta como a actividade propriamente metafísica do homem e a partir dela procura decifrar o sentido do mundo e a atitude última do homem. O que admiro neste livro é a objectivo de Nietzsche em examinar a ciência na óptica da arte, mas a arte na óptica da vida.
Muitos beijinhos.
O elogio e a censura, quando são sinceros, valem sempre a pena...
Fico feliz por partilhares, com coração e sabedoria, das abordagens de Nietzsche que, no sim ou no não, nunca deixam ninguém indiferente...
O teu feedback benévolo aos excertos parcelares da minha Poética do Instante Filosófico, espalhados, na sua parte mais exotérica, pelo meu blog, tb é muito gratificante...
Assumo que não consegui escapar inteiramente à linha inspirativa de Nietzsche pelo menos no seu estilo aforismático...
Obrigado pelas imagens do Mundo que-com muito bom gosto-nos ofereces no teu querido blog.
Sempre passarei por lá.
Muitos beijinhos tb.
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