quinta-feira, 24 de abril de 2008

Juízo acerca do valor da vida?


"Toda a crença no valor e na dignidade da vida se baseia num pensamento inexacto; é possível unicamente porque a simpatia pela vida e pelos sofrimentos universais da humanidade está pouco desenvolvida no individuo. Mesmo os poucos homens cujos pensamentos se elevam acima de si próprios não chegam a vislumbrar esta vida universal mas apenas partes limitadas. Se formos capazes de dirigir a observação para as excepções, quero dizer, para os grandes talentos e almas puras, se tomarmos a sua produção por fim de todo o universo e tiramos prazer da sua acção, poderemos acreditar no valor da vida, porque esquecemos então os outros homens, mas nem por isso deixamos de pensar inexactamente. E, de modo semelhante, se olharmos para todos os homens, mas valorizarmos neles tão só uma certa espécie de instintos mesmo que egoístas e os desculparmos quanto aos outros ainda assim poderemos esperar qualquer coisa da humanidade no seu todo e nesta medida acreditar no valor da vida, mas também pela inexactidão do pensamento. Mas quer nos comportemos de uma maneira ou de outra, estamos sempre perante excepções face à totalidade os homens. E a grande maioria dos homens que suporta a vida sem grandes queixas, acredita também no valor da existênca, mas é justamente porque cada um deles não vê e afirma mais do que a si próprio e não sai dele mesmo enquanto excepção: tudo o que vai para além da sua pessoa subsiste para ele inapercebido ou percebido apenas como uma penumbra. Assim o valor da vida para o homem vulgar e comum assenta unicamente no facto de que ele atribui mais importância a ele próprio do que ao mundo. A grande falta de imaginação de que sofre, faz com que ele não possa comunicar pelo sentimento com outros seres e por isso participa pouco na sua sorte e nos seus sofrimentos. Aquele que, pelo contrário, chegasse verdadeiramente a participar, deveria desesperar do valor da vida, se conseguisse compreender e sentir em si a consciência total da humanidade e amaldiçoaria a existência, porque a humanidade no seu conjunto não tem nenhum fim, e consequentemente ao examinar a trajectória total do homem nunca poderá encontrar aí consolação e repouso mas sim desespero. Se considerar a ausência final de fim dos homens, a sua própria acção tem aos seus olhos ao aparência de um desperdício. Mas ser capaz de se sentir como humanidade [ e não simplemente como individuo] desperdiçado, da mesma forma que as flores isoladas, desperdiçadas pela natureza, é um sentimento para além de todos os sentimentos. Quem seria capaz dele? Certamente só um poeta: e os poetas sabem sempre consolar-se. Nietzsche, Humano, Demasiado Humano

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