VASO DE PEÓNIAS NUM PEDESTAL_EDOUARD MANET,1864
Óleo sobre tela, 93,2x 70,2.Paris Museu de OrsayE aí, nessa extrema solidão, se produz a segunda metamorfose: o espírito torna-se leão. Decide conquistar a sua liberdade e ser o rei do seu próprio deserto.
Busca um último senhor; ele será o inimigo desse último senhor e do seu derradeiro Deus; ele quer medir-se com o grande dragão, e vencê-lo.
Mas o que é esse grande dragão que, doravante, o espírito recusa chamar seu senhor e seu Deus? o nome do grande dragão é «Tu -deves ». Mas a alma do leão diz: «Eu quero »
«Tu-deves» barra-lhe o caminho, brilhando de oiro, coberto de escamas, e sobre cada uma dessas escamas brilham em letras de oiro, estas palavras: «Tu-deves »
Valores milenários brilham sobre essas escamas, e assim fala o mais poderoso de todos os dragões: «Todos os valores das coisas brilham sobre o meu corpo.
Todos os valores foram criados no passado, e a soma de todos os valores criados , sou eu. Em verdade não deverá mais existir qualquer «eu quero»...Assim fala o dragão.
Meus irmãos para que serve ter este dragão no espírito? porque não será suficiente o animal paciente, resignado e respeitoso?
O próprio leão ainda não está preparado para criar novos valores; mas liberta-se a fim de se tornar apto a criar novos valores, eis o que pode a força do leão.
Para conquistar a sua própria liberdade e o direito sagrado de dizer não, mesmo ao dever, para isso meus irmãos é necessário ser leão.
Conquistar o direito a novos valores é para um espírito paciente e laborioso a mais temível das empresas. E por certo que ele vê nela um acto de banditismo e de rapina.
O que ele outrora amava como o seu bem mais sagrado, é o «Tu-deves » Deve agora descobrir a ilusão e a arbitrariedade na própria base do que de mais sagrado existe no mundo, e conquistar assim, pela violência, o direito a libertar-se dessa prisão: para exercer uma tal violência é necessário ser leão.
Mas dizei-me meus irmãos que pode ainda a criança, e de que o próprio leão seria incapaz? Porque deverá ainda o leão roubador tornar-se criança?
É que a criança é inocência e olvido, novo começar, jogo, roda que se move por si própria, primeiro móvel, afirmação santa." Nietzsche, assim Falava Zaratustra