segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O HOMEM INVISÍVEL

O HOMEM INVISÍVEL_SALVADOR DALÍ
Somos o mar e a corrente,
A plantação e a semente,
O ar e a liberdade premente
o fogo do amor puro, inocente;
*
Somos o labirinto trágico,
E a medida do conflito,
onde balança no Universo,
Tudo o que é belo e perverso!
*
Somos o navio e os faróis,
As vagas e a aventura,
A lentidão dos caracóis,
E a leveza das gaivotas!
*
Somos os acordes e os ouvidos,
A música e os gemidos,
O eco dos mundos perdidos
Na noite abissal dos conflitos!
*
Somos a liberdade incarnada,
A vida nos riscos do nada,
a aventura que é vertigem
na colina e na mirada!
*
Somos o tudo e o nada,
A vida no sim celebrada
E a afirmação renegada
da liberdade sagrada;
Somos o silêncio profundo
E a palavra metáfora sibilina,
O paraíso dos sons,
E esta música abismada,
Na mais perfeita surdina!...

Luís Lourenço

sábado, 27 de setembro de 2008

O JOGO LÚGUBRE

O JOGO LÚGUBRE_SALVADOR DALÍ

Marionetas inquietas e até invisíveis

no caos do Universo estranho e secreto.

Baile trágico de máscaras sublimes

e comediantes que dançam à cabra cega!

*

Queremos ser a liberdade no Mundo,

E em cada encosta terrestre

o sonho de uma morada afirmada,

*

Mas sobra ainda quanta escravidão?

Que congela na aranha que nos aperta

e no deserto que avança e que nos cerca!

*

Dados inocentes jogados

sobre o cenário da vida

procuram plantações férteis,

Mas rolam farsantes

nesta aventura incerta! ...

Luís Lourenço

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA

PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA_SALVADOR DALÍ

É a reflexão e o preço do conhecimento

que quebram na estupidez a ignorância

e a ausência do pensamento;

*

a acção e a luta contra a doença

que as luzes da razão proporcionam à ciência

para elevar a saúde à sua plena existência;

*

o desejo sem fim e o sonho da perfeição

que irradiam do núcleo do mito para o fazer

florescer e brilhar até à grande ilusão;

*

a visão sensível e o cósmico radar

que se libertam entre o pensamento e a realidade

até chegar ao cume de uma incontornável verdade;

*

o olhar inquieto e o impulso da criação

que imperam como pássaros longínquos

no cume do ser e da veneração;

*

a nobre causa e a terrível missão

que quebram na vontade as máscaras da ilusão

até bater nela ardente e feliz o coração;

*

a chama do fogo e a roda da invenção

que gravam na cultura da memória

os tesouros e os desvarios da civilização;

*

É vida e instinto, celebração e vontade,

poderes telúricos nos cumes da verdade,

e só fantasias dos caprichos da liberdade

às voltas no carrocel da vaidade

e para o Mundo mais dor do que felicidade;

É a pergunta subtil e certeira: ser ou não ser,

a vertigem do homem face à realidade

que o engloba e interpela

sem jamais poder sair dela!...

Luís Lourenço



terça-feira, 23 de setembro de 2008

AS FLORES DO MAL

AS FLORES DO MAL_RENÉ MAGRITTE
É o apelo da vida à cultura
onde o fluxo criador tanto pode murchar
como renascer e brilhar;
*
o fluido e a seiva criadora
onde se celebram no auge
tempos intensos e uma nova aurora;
*
o declínio e a decadência
onde a vida e a cultura
se esgotam numa pobre doença;
*
o grito e o sono da morte
de Deus do homem e da sorte
quando a vida erra sem arte e sem norte;
*
a luta e o vazio no ser
onde a vida tanto se pode perder
como em novas paixões se acender;
*
o fogo e a chama do viver
onde é impossível deixar de ser
e se prefere o nada ao nada querer;
*
o sonho colectivo e a imaginação
onde a vida e a cultura se fundem
no triunfo de uma fresca inspiração;
*
É vida e cultura, impulso e seiva criadora,
saúde e doença, declínio e aurora,
morte de Deus, da sorte, e do eu;
Vitória sobre si e um novo horizonte,
luta e vazio, paixões novas e os riscos
do nada e até de se perder;
chama colectiva no fogo do viver,
união frágil da vida e da sabedoria
na eterna aspiração da filosofia!...
Luís Lourenço

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O AMOR

RETRATO DA SENHORA M_TAMARA DE LEMPICKA
A sensualidade feminina ornamenta-se com vários disfarces: o idealismo platónico, tão caro à juventude, que gera a miragem da bem-amada como sendo um caso à parte; uma incrustação, uma elevação, uma transfiguração aureolada de infinito; a religião do amor em que participam "um belo moço e uma bela rapariga"-é, de certo modo, divinizada num noivado da alma; a arte--com todo o prazer ornamental com que presenteia a mulher; o que leva o homem a ver nela todas as perfeições, e a sensibilidade do artista concentra no objecto amado tudo quanto idealiza.
Consciente desses sentimentos do homem, a mulher esforça-se por ir ao encontro da idealização que a cerca; enfeita-se, cuida da aparência, do modo como dança, do modo como há-de exprimir o que pensa em termos delicados; é ainda em função disso que mantém o pudor, o recato, a distância, porquanto sabe, instintivamente, que assim estimula a faculdade de idealização do homem.
A causa da extraordinária acuidade dos instintos femininos, como o pudor, não provém, de modo algum, de uma hipocrisia consciente: a mulher adivinha que é precisamente o pudor real e ingénuo aquilo que mais seduz o homem e o leva a sobrestimá-la. Por isso, é ingénua: por astúcia instintiva, a qual lhe sugere a utilidade da inocência. Ela fecha voluntariamente os olhos, de tal modo que, nos casos em que a dissimulação aumenta inconscientemente, esta acaba por tornar-se mesmo inconsciente

"Nietzsche, Vontade de Poder II

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

PERSONALIDADE E AUTO-ESTIMA

A MEMÓRIA _RENÉ MAGRITTE
MODOS DE CONSTRUIR UMA PERSONALIDADE, ou os oito problemas principais:
Queremos simplificar-nos , ou diversificar-nos?
Queremos ser mais felizes, ou mais indiferentes à infelicidade e à desgraça?
Queremos ficar mais satisfeitos connosco, ou mais exigentes e mais impiedosos?
Queremos tornar-nos mais amigáveis, mais indulgentes, mais humanos, ou mais desumanos?
Queremos ser mais prudentes ou mais impulsivos?
Queremos atingir um fim, ou evitar todos os fins-como, por exemplo, faz o filósofo para o qual toda a espécie de fins tresanda, despropositadamente, a limites impostos, mesquinhez, prisão, toleima?
Queremos ser mais respeitados e mais importantes, ou mais desconsiderados?
Queremos tornar-nos tiranos ou impostores? Pastores ou carneiros?

Nietzsche, Vontade de Poder II

domingo, 14 de setembro de 2008

PSICOLOGIA DA NATUREZA HUMANA?

O JOGADOR SECRETO_RENÉ MAGRITTE

Nós só sentimos agrado para com os semelhantes-ou seja, pelas imagens de nós próprios-quando sentimos comprazimento connosco. E quanto mais estamos contentes connosco, mais detestamos o que nos é estranho: a aversão pelo que nos é estranho está na proporção da estima que temos por nós. É em consequência dessa aversão que nós destruímos tudo o que é estranho, ao qual assim mostramos o nosso distanciamento.

Mas o menosprezo por nós próprios pode levar-nos a uma compaixão geral para com a humanidade e pode ser utilizado, intencionalmente, para uma aproximação com os demais.

Temos necessidade do próximo para nos esquecermos de nós mesmos: o que leva à sociabilidade com muita gente.

Somos dados a supor que também os outros têm desgosto com o que são; quando isto se verifica, então recebemos uma grande alegria: afinal estamos na mesma situação.

E tal como nos vemos forçados a suportar-nos, apesar do desgosto que temos com aquilo que somos, assim nos habituamos a suportar os nossos semelhantes.

Assim, nós deixamos de desprezar os outros; a aversão para com eles diminui, e dá-se a reaproximação.

Eis porque, em virtude da doutrina do pecado e da condenação universal, o homem se aproxima de si mesmo. E até aqueles que detêm efecivamente o poder são de considerar, agora como dantes, sob este mesmo aspecto: é que "no fundo, são uns pobres homens"

Nietzsche, Vontade de Poder II

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

NATUREZA HUMANA

O JÓQUEI PERDIDO_RENÉ MAGRITTE, 1926Este quadro é considerado a primeira obra "surrealista" do pintor

OBEDECER AOS PRÓPRIOS SENTIMENTOS? Arriscar a vida ao ceder a um sentimento generoso, ou a um impulso de momento, isso não caracteriza um homem; todos são capazes de fazê-lo; neste ponto, um criminoso, um bandido, um corsário, superam um homem honesto.
O grau de superioridade é vencer em si tal elã e realizar o acto heróico, não por impulso, mas friamente, ponderadamente, sem a expansão do prazer que o acompanha; outro tanto acontece com a piedade: ela há-de ser habitualmente filtrada pela razão, caso contrário, é tão perigosa como qualquer outra emoção. A docilidade cega perante uma emoção-tanto importa que seja generosa ou perigosa como odiosa-é causa dos piores males.
A grandeza de carácter não consiste em não experimentar emoções; pelo contrário, estas são para experimentar no mais elevado grau; a questão é controlá-las, e ainda assim, havendo prazer em modelá-las, em função de algo mais.

Nietzsche, Vontade de Poder vol. II-Res- Editora

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

AFORISMOS DE NIETZSCHE

O LIBERTADOR_RENÉ MAGRITTE, 1947
*

"Escala métrica para todos os dias.-Raramente nos enganaremos se reportarmos as nossas acções extremas à vaidade, as medíocres ao hábito e as mesquinhas ao medo" ;
*
"Subtileza da vergonha.-Os homens têm vergonha não por terem pensamentos vis, mas por imaginarem que os julgam capazes destes pensamentos reles";

*
"Sinal de incompatibilidade.-O índice mais forte de incompatibilidade entre duas pessoas é quando ambas falam reciprocamente com um grãozinho de ironia mas nem uma nem outra sentem esta ironia.";
*
"Ofender e ser ofendido-É mais agradável ofender e pedir perdão em seguida do que ser ser ofendido e ter de perdoar depois. O primeiro deixa uma marca de poder e a seguir de bondade de carácter; o segundo que não quer passar por inumano sente-se obrigado a perdoar; o gozo [reles] de humilhar o outro não tem contrapartida nesta obrigação";


Nietzsche, Humano Demasiado Humano

terça-feira, 9 de setembro de 2008

OLHAR DE LINCE?

O IMPÉRIO DAS LUZES_RENÉ MAGRITTE
***
O narrador -Quem conta uma história deixa facilmente transparecer se a conta porque a acha mesmo interessante ou porque quer ser interessante. No último caso, tende a exagerar, a usar superlativos e outros expedientes similares. Assim sendo, conta-a mal porque sonha menos com a história do que com ele próprio";
***

"O declamador.-O que declama em voz alta poemas dramáticos faz descobertas curiosas sobre o seu carácter: encontra em certas cenas e situações a sua voz mais natural do que noutras, por exemplo, no que é patético e cómico, enquanto na vida comum não teria essa ocasião para a paixão e para a comédia" ;

***
Os Complacentes.-As naturezas complacentes, prontas a todo o instante para socorrer o infortúnio alheio, raramente são fertilizantes : pois perante a felicidade do outro já não têm que fazer, sentem-se supérfluas, deixam de sentir superioridade e facilmente ostentam despeito"

Nietzsche, Humano, Demasiado Humano

domingo, 7 de setembro de 2008

NÃO ME PEÇA DEFINIÇÂO

PLANTA TAILANDESA ...oferecida por Mariz ://www.soupoeluz.blogspot.com


Não me peça definição
se branco ou preto
que eu fico com o arco-iris
se quero ou não
que eu venho com um talvez
*
Minha única certeza
é que tenho dúvidas às dúzias
dos tempos prefiro o indefinido
e dos pontos o de interrogação.
*
Você dirá que sou do contra
e faço tudo de pirraça...
Posso até concordar
de tanto que detesto
discussão e bate-boca
*
Nosso caminho está cheio de escolhas, é certo
e quem for esperto logo acha a saída do labirinto
mas como em outra encarnação
devo ter sido um monge tibetano
não acredito muito em livre-arbítrio
e na capacidade de mudar o mundo
*
Quantas vezes não desviaram o curso dos rios
e veja só o desastre ecológico que deu...
*
No auge da confusão
fico esperando que os rolos mais cabeludos
se resolvam por si
*
obedecendo a não sei que lei
-provavelmente à do acaso, do caos
ou então à anti-lei de Murphy
Em matéria de esperar
como mulher nasci esperando
e se o sinónimo de paciência é Jó
aposto que houve alguma Jóana
que ganhava dele de longe mas
nem a Bíblia nem os historiadores registaram
Que lapso!
*
Estou vendo o dia
em que acabarei como vovó
na cadeira de balanço
enrolada num xale
olhando tranquila a bagunça em volta
como quem nada quer
esperando mais uns séculos
pelo dia em que um homem
-enfim-entenda uma mulher!

POEMA DE RENATA P.M. CORDEIRO

sábado, 6 de setembro de 2008

MULHER

VÉNUS VENCE MARTE_SANDRO BOTTICELLI

Mulher, és lírio do campo;

és ave linda, no céu!

Deus te criou, inspirado,

para o mais lindo papel:

teus perfumes, tantas cores

tu`alma doce, teu véu

de amores tantos, tamanhos,

das paixões, um carrocel;

*

És, mulher, tanta beleza,


és quem traz as novas vidas;


tu és, mulher, natureza,


em emocões coloridas.


És ombro amigo e sincero,


és, do meu leito, o dossel


o fruto que eu amo e quero


és minh`agua, meu farnel

*

Mas és, mulher, muito mais:

espírito sublimado,

coração que se desdobra,

a mãe que ama e não cobra,


a irmã que está do meu lado;


do porto seguro, és cais


alfama da marujada,


a lua, na madrugada.

*

És o bem que Deus criou:


o ventre da natureza ,


a sintaxe da beleza,


a semântica da dor.


Porém, O Pai te outorgou


maturidade e ternura:


és a dádiva mais pura


que Deus ao mundo legou.


POEMA DE JOÃO DA SILVA

em http://wwwrenatacordeiro.blogspot.com/





quinta-feira, 4 de setembro de 2008

É BEM POSSÍVEL

O ESPELHO FALSO_RENÉ MAGRITTE

É bem possível que só eu exista
Na redoma deste mundo
E o resto seja aparição já vista
Ou má pintura de cenário sem fundo

Assim se explicaria não ter eco
A parede sonora que inventei
Nem me reconhecer no rastro seco
Dos gestos e palavras que amei

Duvido
que me seja evidente o ser que sou
Porém pensar em ti é ter seguro
Outro Universo inteiro onde não estou

POEMA DE JOÃO MARTIM





terça-feira, 2 de setembro de 2008

O MEU RIO

O MEU RIO Foto de Ana Rita Seirôco


No teu Sorriso...
Deixo o meu olhar suspenso no teu Sorriso...
A lua mergulhada no silêncio
Na paz desta margem junto ao rio...
O tempo está mais além, além de mim
Perdido nas planícies do Oceano profundo...

No teu Sorriso...
Deixo o meu olhar supenso no teu Sorriso...
Na luz que brilha do teu rosto
Deixo-o para que também ele possa sorrir...
Deixo-o porque através do seu Sorriso
Ele consegue ver o mundo inteiro
Encontrar um rumo mesmo tendo perdido o Norte...

No teu Sorriso...
Deixo o meu olhar suspenso no teu Sorriso...
Suspenso na imensidão do meu luar
Suspenso na Eternidade!...

POEMA DE ANA RITA SEIRÔCO