...Vimos que, na alegoria da caverna, o filósofo deixa a caverna em busca da verdadeira essência do Ser sem pensar na aplicabilidade prática do que vai encontrar. Só depois, quando se encontra de novo confinado à escuridão e incerteza dos assuntos humanos e se depara com a hostilidade dos seus semelhantes, é que ele começa a pensar na sua «verdade» em termos de normas aplicáveis ao comportamento dos outros. Esta discrepância entre as ideias como essências verdadeiras que devem ser objecto de contemplação, por um lado, e como medidas a aplicar, por outro, manifesta-se nas duas ideias completamente diferentes que representam a ideia suprema, aquela a que todas as demais devem a sua própria existência. Platão diz-nos ou que essa ideia suprema é a ideia de Belo-No Banquete, por exemplo, onde constitui o degrau mais alto da escada que conduz à verdade, ou no Fedro, onde Platão fala do «amante do saber ou da beleza», como se estas duas fossem de facto idênticas, pois a beleza é aquilo que mais brilha e por isso ilumina tudo o resto-ou que é a ideia de Bem, como podemos conferir na República, mas num contexto que é estritamente político. Hannah Arendt, Entre O Passado e O Futuro.
2 comentários:
Este texto de H. Arendt relativo à alegoria da caverna de Platão, é tão interessante para estudantes e professores de filosofia[e não só para eles]que seria uma pena que não chegasse a ser devidamente explorado e alargado na sua amplitude de compreensão e interpretação.
As relações da verdade filosófica com o exercício do poder político têm já uma longa história que nos deve fazer pensar a todos o que amamos a vida e a liberdade e a política...
Luis,
O Mito da Caverna...trabalhei tantas vezes este texto em minhas aulas de Psicologia da Arte, em tempos idos, e quantas coisas interessantes puderam ser exploradas e despertadas!Novamente usei , em outro período mais recente, em algumas aulas que dei de Ética, e realmente é tão instigante e intenso, que como você diz deveria ser explorado com mais frequência.
Abraço
Cidinha
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