segunda-feira, 30 de maio de 2011

ESTRELA DA TARDE_ARY DOS SANTOS

AMETISTA_TAMARA DE LEMPICKA
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Era a tarde mais longa de todas as tardes
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
Tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste
Na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhamos tardamos no beijo
Que a boca pedia
E na tarde ficamos unidos ardendo na luz
Que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto
Tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite,
Para haver outro dia.

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.

Foi a noite mais bela de todas as noites
Que me adormeceram
Dos noturnos silêncios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.

Foram noites e noites que numa só noite
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram.

Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto!

Ary dos Santos

sexta-feira, 27 de maio de 2011

PÉROLAS BRILHANTES DE NIETZSCHE

OS EXERCÍCIOS DE ACROBATA_RENÉ MAGRITTE

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Um falso adágio:"Aquele que não pode libertar-se de si não pode libertar os outros"...Se eu tiver a chave que abre a tua cadeia, por que é que as nossas duas cadeias hão-de ter os mesmos aloquetes."


É revoltante a quantidade de seres falhados.Mais revoltante é ainda o seu conformismo beato, a sua segurança, como revoltante é a sua falta de interesse pela evolução colectiva do homem...quando é certo que tudo pode ruir depressa."

As benesses que recebemos são mais perigosas do que as desgraças, porque tendem a exercer sobre nós um poder.Partilhar de benefícios deveria corresponder a privilégio: por isso o sentir grego que só aceitava o que estritamente podia compensar, era tão nobre."

Com que direito vamos vexar os medíocres com sua mediocridade? Por mim, como se vê, faço o contrário: cada passo que dou, conduz-como eu ensino-à imortalidade."

F. Nietzsche-A Vontade de Poder-Vol III

terça-feira, 24 de maio de 2011

SUAVIDADE

COMPARTIMENTO C. VAGÃO_EDWARD HOOPER

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Ao luar vi os teus olhos
Que de paixão me inflamaram...
Mas foi ao sorrirem tristonhos,
Que, antes de florir, me tocaram!...


Véu de Maya

segunda-feira, 23 de maio de 2011

AS GRAÇAS NATURAIS


AS GRAÇAS NATURAIS_RENÉ MAGRITTE

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" Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti".Ora isto passa por sensatez, por prudência, pelo fundamento da moral, por uma "regra de ouro"! Pelo menos John Stuart Mill e os restantes ingleses acreditam nisso. Contudo, este preceito não resiste ao mais pequeno ataque. Estabelendo que não devemos fazer o que não queremos que nos façam, certas acções ficariam impedidas, com receio das suas consequências; isto, partindo do pressuposto de que todas as acções provocam retribuições...
Que aconteceia se, deitando a mão ao Príncipe se dissesse: "são precisamente tais acções que é preciso praticar, pelo receio de que outros o façam antes e nos impeçam a nós de fazê-lo"...
Pense-se ainda num corso, a quem a honra exige uma vendetta: não é que ele pense apanhar com uma bala na barriga, mas a perspectiva, a probabilidade de apanhar com uma bala não o impedirá de satisfazer a honra...
Em quais acções, dignas de tal nome, seremos nós voluntariamente indiferentes ao resultado que advirá delas? Se evitarmos certas acções porque nos acarretam resultados inconvenientes, então estamos a impedir-nos de qualquer acção digna desse nome.
Em contrapartida, um preceito desses é precioso por revelar um tipo de homens; ele formula o instinto do rebanho, em que todos são iguais, tudo se passa entre iguais: "O que eu te faço, fá-lo ás tu a mim"
Trata-se, positivamente, da crença numa equivalência de acções que nunca acontece e que nunca se verifica em circunstâncias reais. Nem as acções podem esperar reciprocidade! Entre individuos de verdade, não há acções iguais, e retribuições muito menos...
Ao agir, eu sou inteiramente alheio à ideia de que agir do mesmo modo seja possível para qualquer homem: a minha acção diz-me só respeito a mim. Se alguém quiser usar para comigo de retribuição, pode fazê-lo de qualquer outra maneira."  F. Nietzsche

domingo, 22 de maio de 2011

A CULTURA-VALOR EXISTENCIAL DE FUNDO

REMADORES EM CHAMAS_RENOIR

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"O que é a cultura, o fim da cultura?
Função da cultura: viver e agir em conformidade com as aspirações mais nobres de um povo.
A cultura é: a imortalidade dos espíritos mais nobres; o reviver um passado exemplar, a fim de ser um exemplo para o futuro.
A cultura consiste em que os mais sublimes momentos de cada geração constituem uma cadeia contínua, no interior da qual  se pode viver. Para o indivíduo, ser culto significa possuir uma tradição contínua de conhecimentos e pensamentos nobres, que ele próprio prolonga"
Nietzsche

sexta-feira, 20 de maio de 2011

OLHAR DE LINCE_NIETZSCHE

 CARTA BRANCA_RENÉ MAGRITTE
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"A facilidade, a segurança, o medo, a preguiça, a cobardia: eis as forças que pretendem privar a vida do seu carácter perigoso e desorganizado.Uma pantominice da ciência económica.
As plantas humanas prosperam mais vigorosamente quando são grandes os perigos e pouco seguras as circunstâncias. Verdade seja que na sua maioria perecem...
A nossa posição no mundo do conhecimento é deveras incerta, e qualquer homem superior dá a impressão de ser um aventureiro"Nietzsche

sábado, 7 de maio de 2011

SONETO À ORGIA DO TEMPO

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O REGRESSO DA CHAMA_RENÉ MAGRITTE
*
Hei-de ser, mar e terra e fogo e ar,
quando, por fim, na roda que a tudo sela,
secarem as flores da vida, ao trémulo da vela,
em vestes que só o tempo levará a pratear...
*
E de sublimes versos, saírem cristais,
como fluem das marés, algas e sais;
E de loucas paixões, volúpia e flores,
 em poções felinas, na altivez dos amores...
*
E das fundas dores, cravadas no mundo,
chegarem gritos urgentes, de enlace profundo,
  ao luar da alegria, onde ela nunca vibrou...
*
Até que tudo, por fim, na orgia do tempo,
tal como a vida, ao arder em caos imenso,
volte a ser, no destino, o anel onde brilhou!...

Véu de Maya

quarta-feira, 4 de maio de 2011

VOLÚPIA PURA


SERPENTES DE ÁGUA II_GUSTAV KLIMT

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Se a tua volúpia é de espuma,
Mas só flui em meu corpo,
Deixa-a espraiar no meu mar
Que aí serei o teu barco...

Véu de Maya

segunda-feira, 2 de maio de 2011

LONJURA



OS DOIS MISTÉRIOS_RENÉ MAGRITTE
 
*
Não vou por ninguém.
 Vou pela águia que voa
E ao sonhar mais além...
Sou ainda o amor que sopra
E o declínio que vem...
*
Nem vou só por mim
Ou pelo voraz pensamento:
Qual menino na ilusão do momento!
 A cheirar flores no jardim,
sem se lembrar do cinzento.
*
Só vou pela vida
Que é um labirinto sem manto!
E pelos altares da embriaguês
Onde gozo os véus que levanto.
*
Só vou pela vida
Que é o meu mágico encanto!
E pelos voos altos em que a desafio,
Até a fechar no seu último suspiro...
E aí redimí-la de tudo o que é pranto!...

Véu de Maya